terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A Ressignificação



Padre Antônio Vieira, num dos seus sermões, afirmou, “A razão natural de toda esta diferença é porque o tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhe os defeitos, enfastia-lhe o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor! O mesmo amar é causa de não amar e o ter amado muito, de amar menos.” Por sorte, Padre Antônio Vieira, há época não conhecesse uma máquina fotográfica e sua reinvenção do mundo. 

Mas, e se o mundo acinzentasse?  Se o fastio das coisas aumentasse de acordo com seu uso? Haveria motivos para fotografar? Uns, mais recalcitrantes, diriam que não. “Fotografar mais do mesmo?” ou “De que adianta buscar a sombra, medida concreta da matéria?”, o mundo sensível todo cinza. Sem sentido buscar a imagem já refletida noutras imagens, todas iguais, sem cores, gostos, sons... só profundidades e sombras.

A matéria é cinza. Às vezes o sexto sentido do fotógrafo percebe isto. Apertar o botão não é somente o ato mecânico que implica na captura de uma tela. A força que rege os dedos em direção à imagem é a negação pura e simples da possibilidade do mundo ser somente cinza.

Perceber e demonstrar que a matéria apesar de existir cinza, ela não deve ser cinza, tornando uma criação própria, objetivamente sensível, renomeando e dando sentido a quase tudo.

A novidade da fotografia está para o amor quase nas mesmas dimensões. Basta mudar o ângulo, luz, formas... basta captar o sorriso, uma ruga ou gesto e o amor, sim, ele, é logo percebido por aqueles que não aceitam viver sob o jugo do cinza.

Um clique e toda matéria é novidade. Como o amor.
Como não existia a fotografia a época do autor dos melhores sermões barrocos, Pe. Antonio Vieira bem que poderia mudar de opinião e perceber que um olhar fotográfico é capaz de desanuviar o dia, tornando-o colorido, difuso (ou não) como um zoom¹.
Referências.
1 – Elaine Brandão. 

Texto Gerd Baggenstoss
Fotos: Edson Martins, veja mais fotos.