Não é de hoje que percebemos que
no Brasil, diversas leis são criadas com o intuito de responder a demandas
pontuais de setores sociedade. A lei 12.870/13 definidora dos parâmetros para a
atividade profissional do vaqueiro foi mais um exemplo de atividade legislativa
sem qualquer aprofundamento técnico com o tempo e as necessidades daqueles que
ainda exercitam a terra.
Fazendo um apanhando rápido sobre
a figura do vaqueiro, constata-se que há várias vertentes onde poderíamos
explicar este fenômeno do sertão nordestino. Dentre aquelas, a que mais
sobressai, afirma que o vaqueiro é o homem da cana que adentrou nas caatingas,
levando consigo o gado e voltando com o couro e com a carne.
Imaginemos agora as agruras por
quais aqueles homens passavam. O ambiente hostil, o clima abrasador, a caatinga
fechada e infinita. Sem cercas, sem estradas, sem comunicação, só as veredas
daquele livro mineiro. De tão implacável, aquele homem se defendeu como pode.
Do couro cru, se fez o gibão, perneira, chapéu, peitoral, luvas e botas. Do
medievalismo a modernidade, nasce o vaqueiro.
A passos largos, a ocupação vai
recrudescendo. As veredas vão aumentando e capitalizando, os espaços vão sendo
paulatinamente ocupados, com a ajuda do rio dos currais a caatinga vai
tornando-se menos infinita. Currais, fazendas, famílias, ainda ali, o vaqueiro
era figura central, nesse tecido social marcado pela palavra, couro e terra. O
tempo cumpriu de modo inexorável todo o périplo da exploração capitalista. As
cercas começaram a surgir no início do século XX, aqui no nosso torrão, há
referências que a primeira estaca aramada fora colocada para “enfrentar” o
ímpeto do Coronel Delmiro Gouveia. A caatinga tornou-se finita e o vaqueiro, de
certa forma, tornou-se parte da propriedade, não mais aquele bandeirante de
terras cáusticas, agora, alienado ao ambiente, alienado ao trabalho, alienado a
hierarquia.
O sertão depaupera-se. De um
lado, pelo contínuo vazio de políticas públicas que privilegiassem o campo,
aqui refletido pela queda do latifúndio nos sertões, como também, pela
exploração ambiental abusiva da caatinga, reflexo das subdivisões do
latifúndio. O vaqueiro sobrevive, mas não figura como elemento indispensável,
o arame farpado e os descampados já tomaram conta da paisagem. É visível.
A sobredita lei, tenta sublimar
uma profissão que já não existe, ainda dificulta aquela qualificação, pois só
será vaqueiro aquele que for contratado por uma propriedade que detenha o crivo
de grande ou médio porte, e no sertão, a cerca e as subdivisões quase que
escassearam este tipo de propriedade, o que foi salutar. É uma tentativa vã,
responder aos anseios do homem do campo através de leis que não tenham nenhuma
ou pouquíssima eficácia, esse é o ponto. As respostas para as necessidades
materiais daqueles que ainda convivem com a seca e com o trato do gado, e ainda
agora com a desertificação causada pelo abusivo desmatamento, não passa por um
reconhecimento tardio e ineficaz de uma profissão. Necessário sorver as
necessidades desse “novo vaqueiro”, que do seu minifúndio ou pequena
propriedade, ainda carece de apoio estatal para a consecução de ações que visem
a ampliação da produção e de resistência contra os efeitos da estiagem. E aqui,
o Estado ainda é omisso, em certa medida.
O novo vaqueiro, por vezes, junta
o gado de moto, está inserido no mercado de consumo, realce-se a importância
dos programas de distribuição de renda, e culturalmente oscila entre a
massificação cultural e a cultura. Dessa resistência, cabe a memória da frase
cunhada por Euclides da Cunha: o sertanejo é, antes de tudo, um forte. Por mais
que não existam as paisagens agrestes dantes, por mais que o gado esteja dócil
e que as cercas dominem toda a paisagem, o gibão e a perneira soam como um
grito de resistência. E a lei não percebeu isso.