domingo, 3 de novembro de 2013

O vaqueiro o tempo e a lei.


Não é de hoje que percebemos que no Brasil, diversas leis são criadas com o intuito de responder a demandas pontuais de setores sociedade. A lei 12.870/13 definidora dos parâmetros para a atividade profissional do vaqueiro foi mais um exemplo de atividade legislativa sem qualquer aprofundamento técnico com o tempo e as necessidades daqueles que ainda exercitam a terra.

Fazendo um apanhando rápido sobre a figura do vaqueiro, constata-se que há várias vertentes onde poderíamos explicar este fenômeno do sertão nordestino. Dentre aquelas, a que mais sobressai, afirma que o vaqueiro é o homem da cana que adentrou nas caatingas, levando consigo o gado e voltando com o couro e com a carne.

Imaginemos agora as agruras por quais aqueles homens passavam. O ambiente hostil, o clima abrasador, a caatinga fechada e infinita. Sem cercas, sem estradas, sem comunicação, só as veredas daquele livro mineiro. De tão implacável, aquele homem se defendeu como pode. Do couro cru, se fez o gibão, perneira, chapéu, peitoral, luvas e botas. Do medievalismo a modernidade, nasce o vaqueiro.

A passos largos, a ocupação vai recrudescendo. As veredas vão aumentando e capitalizando, os espaços vão sendo paulatinamente ocupados, com a ajuda do rio dos currais a caatinga vai tornando-se menos infinita. Currais, fazendas, famílias, ainda ali, o vaqueiro era figura central, nesse tecido social marcado pela palavra, couro e terra. O tempo cumpriu de modo inexorável todo o périplo da exploração capitalista. As cercas começaram a surgir no início do século XX, aqui no nosso torrão, há referências que a primeira estaca aramada fora colocada para “enfrentar” o ímpeto do Coronel Delmiro Gouveia. A caatinga tornou-se finita e o vaqueiro, de certa forma, tornou-se parte da propriedade, não mais aquele bandeirante de terras cáusticas, agora, alienado ao ambiente, alienado ao trabalho, alienado a hierarquia.

O sertão depaupera-se. De um lado, pelo contínuo vazio de políticas públicas que privilegiassem o campo, aqui refletido pela queda do latifúndio nos sertões, como também, pela exploração ambiental abusiva da caatinga, reflexo das subdivisões do latifúndio. O vaqueiro sobrevive, mas não figura como elemento indispensável, o arame farpado e os descampados já tomaram conta da paisagem. É visível.

A sobredita lei, tenta sublimar uma profissão que já não existe, ainda dificulta aquela qualificação, pois só será vaqueiro aquele que for contratado por uma propriedade que detenha o crivo de grande ou médio porte, e no sertão, a cerca e as subdivisões quase que escassearam este tipo de propriedade, o que foi salutar. É uma tentativa vã, responder aos anseios do homem do campo através de leis que não tenham nenhuma ou pouquíssima eficácia, esse é o ponto. As respostas para as necessidades materiais daqueles que ainda convivem com a seca e com o trato do gado, e ainda agora com a desertificação causada pelo abusivo desmatamento, não passa por um reconhecimento tardio e ineficaz de uma profissão. Necessário sorver as necessidades desse “novo vaqueiro”, que do seu minifúndio ou pequena propriedade, ainda carece de apoio estatal para a consecução de ações que visem a ampliação da produção e de resistência contra os efeitos da estiagem. E aqui, o Estado ainda é omisso, em certa medida.

O novo vaqueiro, por vezes, junta o gado de moto, está inserido no mercado de consumo, realce-se a importância dos programas de distribuição de renda, e culturalmente oscila entre a massificação cultural e a cultura. Dessa resistência, cabe a memória da frase cunhada por Euclides da Cunha: o sertanejo é, antes de tudo, um forte. Por mais que não existam as paisagens agrestes dantes, por mais que o gado esteja dócil e que as cercas dominem toda a paisagem, o gibão e a perneira soam como um grito de resistência. E a lei não percebeu isso.