domingo, 8 de dezembro de 2013

Delmiro: "Encontro à luz da escuridão"


Ontem, nossa Macondo foi atingida por uma súbita falta de energia.  De início os mais jovens, geração da internet e Tv a cabo, pareciam ter ficado um pouco desnorteados, olhando a tela do computador ou televisão como se eles tivessem vida própria, como se eles pudessem voltar a funcionar mesmo sem energia, sempre tão solícitos aos seus comandos, compartilhando emoções em bytes, não poderiam deixá-los sós, nesse mundo. Assim aconteceu, e aqueles meninos viram-se sós.

Não havia outra alternativa. Foram aos poucos aproximando-se daqueles  com que conviviam, tentando entender um mundo pouco conhecido, um mundo novo, sem bytes, sem controle e que necessariamente são movidos por outras energias.
A cidade, silenciou.

Enquanto a tarde caía, alguns corpos já se movimentavam em direção a outros, procurando abrigo para uma provável noite sem energia. Outros, ainda reticentes, esses ainda mais jovens, tentavam buscar guarida nas sobras das baterias dos celulares.
A noite chegou, a cidade permanecia sem energia, as últimas baterias já sinalizavam descanso e a hora do encontro havia chegado.

Famílias, unidas pela falta de energia.    

O encontro ao redor do fogo, o silêncio das máquinas e o desejo de ser percebido movimentaram a escuridão. Os velhos puderam, enfim, contar a história que sempre ficara pela metade, o jogo, o dado e as cartas caíram suavemente sobre as mesas, tonalizando aquelas faces que mal se olhavam. A sombra deu um espectro fantástico àquele encontro e algumas vozes e conversas puderam finalmente serem ouvidas e completadas sem aquela habitual parada para atender a uma mensagem virtual.  Era um mundo novo ou talvez esquecido que se abriu na noite.

Ainda que as distâncias dos corpos, na maioria dos lugares estivessem quase desaparecendo, restavam alguns meninos que ainda observavam, apreensivos o seu “antigo” companheiro, olhavam-no quase que conversando com ele, como se ali estivesse algo vivo que o esperava.

O tempo, para alguns que estavam ali, passava muito rápido, o encontro daqueles que conviviam e partilhavam o espaço não devia ser um evento esporádico.  A energia não voltou e os corpos cansados de conversas e afagos dormiram.

A cidade acorda. Foram sonhos diferentes.


Por Gerd Baggenstoss

domingo, 3 de novembro de 2013

O vaqueiro o tempo e a lei.


Não é de hoje que percebemos que no Brasil, diversas leis são criadas com o intuito de responder a demandas pontuais de setores sociedade. A lei 12.870/13 definidora dos parâmetros para a atividade profissional do vaqueiro foi mais um exemplo de atividade legislativa sem qualquer aprofundamento técnico com o tempo e as necessidades daqueles que ainda exercitam a terra.

Fazendo um apanhando rápido sobre a figura do vaqueiro, constata-se que há várias vertentes onde poderíamos explicar este fenômeno do sertão nordestino. Dentre aquelas, a que mais sobressai, afirma que o vaqueiro é o homem da cana que adentrou nas caatingas, levando consigo o gado e voltando com o couro e com a carne.

Imaginemos agora as agruras por quais aqueles homens passavam. O ambiente hostil, o clima abrasador, a caatinga fechada e infinita. Sem cercas, sem estradas, sem comunicação, só as veredas daquele livro mineiro. De tão implacável, aquele homem se defendeu como pode. Do couro cru, se fez o gibão, perneira, chapéu, peitoral, luvas e botas. Do medievalismo a modernidade, nasce o vaqueiro.

A passos largos, a ocupação vai recrudescendo. As veredas vão aumentando e capitalizando, os espaços vão sendo paulatinamente ocupados, com a ajuda do rio dos currais a caatinga vai tornando-se menos infinita. Currais, fazendas, famílias, ainda ali, o vaqueiro era figura central, nesse tecido social marcado pela palavra, couro e terra. O tempo cumpriu de modo inexorável todo o périplo da exploração capitalista. As cercas começaram a surgir no início do século XX, aqui no nosso torrão, há referências que a primeira estaca aramada fora colocada para “enfrentar” o ímpeto do Coronel Delmiro Gouveia. A caatinga tornou-se finita e o vaqueiro, de certa forma, tornou-se parte da propriedade, não mais aquele bandeirante de terras cáusticas, agora, alienado ao ambiente, alienado ao trabalho, alienado a hierarquia.

O sertão depaupera-se. De um lado, pelo contínuo vazio de políticas públicas que privilegiassem o campo, aqui refletido pela queda do latifúndio nos sertões, como também, pela exploração ambiental abusiva da caatinga, reflexo das subdivisões do latifúndio. O vaqueiro sobrevive, mas não figura como elemento indispensável, o arame farpado e os descampados já tomaram conta da paisagem. É visível.

A sobredita lei, tenta sublimar uma profissão que já não existe, ainda dificulta aquela qualificação, pois só será vaqueiro aquele que for contratado por uma propriedade que detenha o crivo de grande ou médio porte, e no sertão, a cerca e as subdivisões quase que escassearam este tipo de propriedade, o que foi salutar. É uma tentativa vã, responder aos anseios do homem do campo através de leis que não tenham nenhuma ou pouquíssima eficácia, esse é o ponto. As respostas para as necessidades materiais daqueles que ainda convivem com a seca e com o trato do gado, e ainda agora com a desertificação causada pelo abusivo desmatamento, não passa por um reconhecimento tardio e ineficaz de uma profissão. Necessário sorver as necessidades desse “novo vaqueiro”, que do seu minifúndio ou pequena propriedade, ainda carece de apoio estatal para a consecução de ações que visem a ampliação da produção e de resistência contra os efeitos da estiagem. E aqui, o Estado ainda é omisso, em certa medida.

O novo vaqueiro, por vezes, junta o gado de moto, está inserido no mercado de consumo, realce-se a importância dos programas de distribuição de renda, e culturalmente oscila entre a massificação cultural e a cultura. Dessa resistência, cabe a memória da frase cunhada por Euclides da Cunha: o sertanejo é, antes de tudo, um forte. Por mais que não existam as paisagens agrestes dantes, por mais que o gado esteja dócil e que as cercas dominem toda a paisagem, o gibão e a perneira soam como um grito de resistência. E a lei não percebeu isso.


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Boas Vindas!


Desde que o Ferreira fez o convite para participar do seu blog, fiquei imaginando o que seria importante colocar neste espaço, para somar-se a outros colegas que aqui escrevem. Por mais que tentasse buscar um caminho exato, não consegui, pois, são vários os temas que orbitam, tanto em Delmiro, como nesse mundo que a cada dia torna-se menor.

Aqui faremos um exercício esporádico da escrita, por isso perguntei ao Ferreira qual seria a linha que ele sugeria, respondeu que o momento determinaria a escolha. Pronto, sem amarras a qualquer tema, sim, agora podemos escrever.


Nasce a dúvida, escrever sobre o quê? Aqui começamos a entender o quanto é difícil traçar em palavras uma constatação e ainda ser convincente quanto a um resultado do futuro texto. Ainda mais quando se começa a escrever para um grupo indeterminado de pessoas, indeterminado a tal ponto que não há o “controle amigo” sobre as sugestivas opiniões que pipocam na sua rede social. Lá, ainda que não se queira conciliar os opostos, e sim criar pontes entre os diversos posicionamentos, percebe-se o quanto é difícil manter todos conversando como um mínimo de civilidade.


Bom, vamos tentar travar o bom debate por aqui. Agradeço o convite e o espaço ao Ferreira. Espero contribuir com o blog, trazendo boas discussões que podem repensar a nossa cidade, e ainda jogar luz, ou não, para o que ocorre no mundo. Não garanto consenso.



Com um mínimo de civilidade**

Gerd Baggenstoss