domingo, 29 de junho de 2014

As últimas balas do governo Téo - I

sábado, 3 de maio de 2014

O SILÊNCIO DAS 369 CASAS - I


Poucas coisas falam mais sobre o Brasil e sobre a inoperância do Pacto Federativo do que o conjunto habitacional existente em Delmiro Gouveia. São 369 (Trezentos e Sessenta e Nove) casas a espera de conclusão. Um projeto que se arrasta desde 2006 e ainda, oito anos depois, em meados do ano de 2014 não possui nenhum prazo ou expectativa para entregá-las a quem de direito.

São três os atores que figuram no teatro de operações para a consecução da obra: a Prefeitura Municipal de Delmiro Gouveia, a Caixa Econômica Federal e o Estado de Alagoas.  A informação que se tem é que apenas a Prefeitura de Delmiro Gouveia cumpriu as formalidades necessárias para o andamento do projeto.
No entanto, há uma disputa feroz entre a CEF e o Governo do Estado de Alagoas para conseguir o almejado troféu da incompetência. É gritante a inoperância administrativa destes dois entes.

Após várias reuniões com os futuros beneficiários do Projeto, após várias cobranças da população e dos
meios de comunicações locais; após várias reuniões dos gestores; após audiência pública na Câmara Municipal de Delmiro Gouveia, diga-se de passagem, extremamente válida; após a ocupação destas moradias por parte dos beneficiários, ainda não se tem a resposta de quanto tempo hábil as moradias serão entregues. Ora, já são oito anos de espera.

Em recente matéria aqui no site (As 369 Casas - Comissão se reúne com o secretário de Infraestrutura do Estado.), o secretário informou que a empresa executora da obra passa por dificuldades o que estaria impedindo o andamento desta, etc. A fala do secretário é um passeio nos trâmites burocráticos. Trata a empresa de forma humanizada e desumaniza as 369 casas. A empresa passa por “dificuldades”, merece por isso considerações. Um pouco mais de espera, pede o gestor.

Já as casas, desumanizadas pela sutil burocracia, tentam sobreviver silenciadas e atônitas.

Por Gerd Baggenstoss

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Discurso de García Márquez ao receber o Prêmio Nobel de 1982: A SOLIDÃO DA AMÉRICA LATINA

Antonio Pigafetta, navegador florentino que acompanhou Magalhães na primeira viagem em volta do mundo, escreveu, na ocasião de sua passagem pelas terras do sul de nossa América, um relato minuciosamente apurado, mas que na verdade parece mais um delírio fantasioso.

Nessa viagem, ele diz que viu porcos com umbigos nas ancas, pássaros sem garras cujas fêmeas botavam os ovos nas costas de seus parceiros, e ainda outros, lembrando pelicanos deslinguados, com bicos feito colheres.

Ele disse ter visto uma criatura desengonçada, com cabeça e orelhas de mula, corpo de camelo e pernas de veado, que relinchava como cavalo. Descreveu como o primeiro nativo encontrado na Patagônia se olhou no espelho, e em seguida, o impassível gigante, perdeu a razão, aterrorizado com sua própria imagem.

Este curto e fascinante livro, que já naquela época continha as sementes de nossos atuais romances, é sem dúvida o mais pungente relato da realidade nossa daquele tempo.
Os cronistas das Índias nos deixou outros incontáveis relatos. Eldorado, nossa terra ilusória e tão avidamente procurada, apareceu em numerosos mapas durante anos, deslocando-se de lugar e de forma de acordo com a fantasia dos cartógrafos.

Em sua procura pela fonte da eterna juventude, o mítico Alvar Núñez Cabeza de Vaca explorou o norte do México por oito anos, numa iludida expedição cujos membros devoraram uns aos outros e, dos seiscentos que foram, apenas cinco voltaram.
Um dos muitos mistérios inimagináveis daquela época é o das onze mil mulas, cada uma carregando cinqüenta quilos de ouro, que um dia deixaram Cuzco para pagar o resgate de Atahualpa e nunca chegaram ao seu destino. Depois disso, no tempo das colônias, galinhas vendidas em Cartagena de Índias eram criadas em terrenos de aluviões e em suas moelas eram encontradas pequenas pepitas de ouro.

A cobiça de ouro de nossos fundadores nos perseguiu até recentemente. No fim do último século [XIX], uma missão alemã, indicada para estudar a construção de uma ferrovia inter-oceânica, através do istmo do Panamá, concluiu que o projeto era viável com uma condição: que os trilhos não fossem feitos com aço, que era raro na região, mas com ouro.
Nossa independência da dominação dos espanhóis não nos pôs fora do alcance da loucura. 

O general Antonio López de Santana, três vezes ditador do México, providenciou um magnífico funeral para a perna direita que ele perdera na chamada Guerra dos Pastéis. O general Gabriel García Moreno governou o Equador por 16 anos como um monarca absoluto; em seu velório, o corpo ficou sentado na cadeira presidencial, vestido com o uniforme completo e decorado com uma camada protetora de medalhas.

O general Maximiliano Hernández Martínez, o déspota teosófico de El Salvador, que teve 30 mil camponeses aniquilados num massacre selvagem, inventou um pêndulo para detectar veneno em sua comida, e mantinha as lâmpadas das ruas envolvidas em papel vermelho para vencer uma epidemia de escarlatina. A estátua do general Francisco Morazán, na praça principal de Tegucigalpa, é na verdade do marechal Ney, comprada num depósito de esculturas de segunda mão em Paris.

Onze anos atrás [1971], o chileno Pablo Neruda, um dos brilhantes poetas de nosso tempo, iluminou este público com suas palavras. Desde então, os europeus de boa vontade – e às vezes aqueles de má vontade também – têm sido arrebatados, com cada vez mais força, pelas novidades fantásticas da América Latina, esse reino sem fronteiras de homens alucinados e mulheres históricas, cuja infinita obstinação se confunde com a lenda.

Não temos tido sequer um minuto de sossego. Um prometéico presidente, entrincheirado em seu palácio em chamas, morreu lutando contra um exército inteiro, sozinho; e dois suspeitos acidentes de avião, ainda por explicar, abreviaram a vida de um grande presidente e a de um militar democrata que tinha ressuscitado a dignidade de seu povo.

Já ocorreram cinco guerras e dezessete golpes militares; surgiu um diabólico ditador que está realizando em nome de Deus o primeiro etnocídio da América Latina de nosso tempo. Nesse ínterim, 20 milhões de crianças latino-americanas morreram antes de completar um ano de vida – mais do que as que nasceram na Europa desde 1970.

Os desaparecidos pela repressão chegam a quase 220 mil. É como se ninguém soubesse onde foi parar a população inteira de Uppsala. Várias mulheres presas grávidas deram à luz nas prisões argentinas, e ainda ninguém sabe do paradeiro e da identidade de seus filhos, que foram furtivamente adotados ou enviados para orfanatos por ordem das autoridades militares.

Porque tentaram mudar esta situação, quase 200 mil homens e mulheres morreram em todo o continente, e mais de cem mil perderam suas vidas em três pequenos e malfadados países da América Central: Nicarágua, El Salvador e Guatemala. Se fosse nos Estados Unidos, seria o equivalente a um milhão e seiscentos mil mortes violentas em quatro anos.
Um milhão de pessoas abandonaram o Chile, um país com tradição de hospitalidade – ou seja, doze por cento da população. O Uruguai, pequenina nação de dois milhões e meio de habitantes, que se considerava o país mais civilizado do continente, perdeu para o exílio um em cada cinco de seus cidadãos.

Desde 1979, a guerra civil de El Salvador vem produzindo quase um refugiado a cada vinte minutos. O país que se poderia criar com todos os exilados e emigrantes forçados da 
América Latina teria uma população maior que a da Noruega.

Ouso dizer que é esta desproporcional realidade, e não apenas sua expressão literária, que mereceu a atenção da Academia Sueca de Letras. Uma realidade não de papel, mas que vive dentro de nós e determina cada instante de nossas incontáveis mortes de todos os dias, e que nutre uma fonte de criatividade insaciável, cheia de tristeza e beleza, da qual este errante e nostálgico colombiano não passa de mais um, escolhido pelo acaso.

Poetas e mendigos, músicos e profetas, guerreiros e canalhas, todas as criaturas desta indomável realidade, temos pedido muito pouco da imaginação, porque nosso problema crucial tem sido a falta de meios concretos para tornar nossas vidas mais reais. Este, meus amigos, é o cerne da nossa solidão.

E se estas dificuldades, cuja essência compartilhamos, nos atrasa, é compreensível que os talentos racionais desta parte do mundo, exaltados na contemplação de sua própria cultura, se encontrem sem meios apropriados de nos interpretar.

É simplesmente natural que eles insistam em nos medir com o mesmo bastão que medem a si mesmos, se esquecendo de que as intempéries da vida não são as mesmas para todos, e que a busca pela nossa própria identidade é tão árdua e sangrenta para nós quanto foi para eles.

A interpretação de nossa realidade em cima de padrões que não são os nossos serve apenas para nos tornar ainda mais desconhecidos, ainda menos livres, ainda mais solitários.
A venerável Europa talvez pudesse ser mais perceptiva se tentasse nos ver em seu próprio passado. Se ela recordasse simplesmente que Londres levou 300 anos para construir seu primeiro muro, e mais 300 para ter um bispo; que Roma labutou numa penumbra de incertezas por 20 séculos, até que um rei etrusco a fizesse entrar para a história; e que a pacífica Suíça de hoje, que nos deleita com seus leves queijos e simpáticos relógios, derramou o sangue da Europa como soldados mercenários, no final do século XVI. Mesmo no alto da Renascença, 12 mil lansquenetes pagos pelo exército imperial saqueou e devastou Roma e trespassou oito mil de seus habitantes na espada.

Não quero incorporar as ilusões de Tonio Kröger, cujos sonhos de unir um casto norte a um sul apaixonado foram exaltados aqui, há 53 anos, por Thomas Mann. Mas realmente acredito que aqueles europeus esclarecidos que lutaram, inclusive aqui, por um lar mais justo e humano, pudesse nos ajudar muito melhor se reconsiderassem sua maneira der nos ver.

A solidariedade com nossos sonhos não vai nos fazer menos solitários, enquanto isso não for traduzido em atos concretos de apoio legítimo às pessoas que aceitam a ilusão de ter uma vida própria na divisão do mundo.

A América Latina não quer, nem tem qualquer razão para querer, ser massa de manobra sem vontade própria; nem é meramente um pensamento desejoso que sua busca por independência e originalidade deva se tornar uma aspiração do Ocidente. No entanto, a expansão marítima que estreitou essa distância entre nossas Américas e a Europa parece, ao contrário, ter acentuado nosso distanciamento cultural.

Por que a originalidade nos foi agraciada tão prontamente na literatura e tão desconfiadamente nos foi negada em nossas difíceis tentativas de mudanças sociais? Por que pensar que a justiça social perseguida pelos europeus progressistas aos seus próprios países não pode ser um objetivo da América Latina, com métodos diferentes em condições desiguais?

Não: as incomensuráveis violência e dor de nossa história são o resultado de antigas iniqüidades e amarguras caladas, e não uma conspiração tramada a três mil léguas de nossa casa.

Mas muitos líderes e intelectuais europeus têm pensado assim, com a infantilidade de seus antepassados que se esqueceram do proveitoso excesso de sua juventude, como se fosse impossível chegar a outro destino que não o de viver entre a cruz e a espada. Isto, meus amigos, é o tamanho exato de nossa solidão.

Apesar disso, à opressão, ao saque e abandono, respondemos com vida. Nem enchentes nem pragas, nem fome nem cataclismos, nem mesmo as eternas guerras, séculos após séculos, foram capazes de subjugar a persistente vantagem que a vida tem sobre a morte. Uma vantagem que cresce e acelera: todo ano, há 74 milhões de nascimentos a mais do que mortes, número o suficiente de novas vidas para multiplicar, a cada ano, a população de Nova York sete vezes.

A maioria desses nascimentos ocorre em países de menos recursos – incluindo, claro, os da América Latina. Contraditoriamente, os países mais prósperos se realizaram acumulando poderes de destruição, com força o bastante para aniquilar, num total de cem vezes, não apenas todos os seres humanos que já existiram até hoje, mas também todos os seres vivos que um dia respiraram neste planeta infeliz.

Um dia como hoje, meu mestre William Faulkner disse: “Eu me recuso a aceitar o fim da humanidade”. Não seria digno de mim estar num lugar em que ele esteve se eu não tivesse plena consciência de que a tragédia colossal que ele se recusou a reconhecer, 32 anos atrás, é agora, pela primeira vez desde o começo da humanidade, nada além de uma simples possibilidade científica.

Cara a cara com esta realidade horrenda que pode ter parecido uma mera utopia em toda a existência humana, nós, os inventores das fábulas, que acreditamos em qualquer coisa, nos sentimos inclinados a acreditar que ainda não é tarde demais para nos engajarmos na criação da utopia oposta.


Uma nova e avassaladora utopia da vida, onde ninguém será capaz de decidir como os outros morrerão, onde o amor provará que a verdade e a felicidade serão possíveis, e onde as raças condenadas a cem anos de solidão terão, finalmente e para sempre, uma segunda oportunidade sobre a terra.

Por Gerd Baggenstoss

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A Ressignificação



Padre Antônio Vieira, num dos seus sermões, afirmou, “A razão natural de toda esta diferença é porque o tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhe os defeitos, enfastia-lhe o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor! O mesmo amar é causa de não amar e o ter amado muito, de amar menos.” Por sorte, Padre Antônio Vieira, há época não conhecesse uma máquina fotográfica e sua reinvenção do mundo. 

Mas, e se o mundo acinzentasse?  Se o fastio das coisas aumentasse de acordo com seu uso? Haveria motivos para fotografar? Uns, mais recalcitrantes, diriam que não. “Fotografar mais do mesmo?” ou “De que adianta buscar a sombra, medida concreta da matéria?”, o mundo sensível todo cinza. Sem sentido buscar a imagem já refletida noutras imagens, todas iguais, sem cores, gostos, sons... só profundidades e sombras.

A matéria é cinza. Às vezes o sexto sentido do fotógrafo percebe isto. Apertar o botão não é somente o ato mecânico que implica na captura de uma tela. A força que rege os dedos em direção à imagem é a negação pura e simples da possibilidade do mundo ser somente cinza.

Perceber e demonstrar que a matéria apesar de existir cinza, ela não deve ser cinza, tornando uma criação própria, objetivamente sensível, renomeando e dando sentido a quase tudo.

A novidade da fotografia está para o amor quase nas mesmas dimensões. Basta mudar o ângulo, luz, formas... basta captar o sorriso, uma ruga ou gesto e o amor, sim, ele, é logo percebido por aqueles que não aceitam viver sob o jugo do cinza.

Um clique e toda matéria é novidade. Como o amor.
Como não existia a fotografia a época do autor dos melhores sermões barrocos, Pe. Antonio Vieira bem que poderia mudar de opinião e perceber que um olhar fotográfico é capaz de desanuviar o dia, tornando-o colorido, difuso (ou não) como um zoom¹.
Referências.
1 – Elaine Brandão. 

Texto Gerd Baggenstoss
Fotos: Edson Martins, veja mais fotos.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Delmiro: "Encontro à luz da escuridão"


Ontem, nossa Macondo foi atingida por uma súbita falta de energia.  De início os mais jovens, geração da internet e Tv a cabo, pareciam ter ficado um pouco desnorteados, olhando a tela do computador ou televisão como se eles tivessem vida própria, como se eles pudessem voltar a funcionar mesmo sem energia, sempre tão solícitos aos seus comandos, compartilhando emoções em bytes, não poderiam deixá-los sós, nesse mundo. Assim aconteceu, e aqueles meninos viram-se sós.

Não havia outra alternativa. Foram aos poucos aproximando-se daqueles  com que conviviam, tentando entender um mundo pouco conhecido, um mundo novo, sem bytes, sem controle e que necessariamente são movidos por outras energias.
A cidade, silenciou.

Enquanto a tarde caía, alguns corpos já se movimentavam em direção a outros, procurando abrigo para uma provável noite sem energia. Outros, ainda reticentes, esses ainda mais jovens, tentavam buscar guarida nas sobras das baterias dos celulares.
A noite chegou, a cidade permanecia sem energia, as últimas baterias já sinalizavam descanso e a hora do encontro havia chegado.

Famílias, unidas pela falta de energia.    

O encontro ao redor do fogo, o silêncio das máquinas e o desejo de ser percebido movimentaram a escuridão. Os velhos puderam, enfim, contar a história que sempre ficara pela metade, o jogo, o dado e as cartas caíram suavemente sobre as mesas, tonalizando aquelas faces que mal se olhavam. A sombra deu um espectro fantástico àquele encontro e algumas vozes e conversas puderam finalmente serem ouvidas e completadas sem aquela habitual parada para atender a uma mensagem virtual.  Era um mundo novo ou talvez esquecido que se abriu na noite.

Ainda que as distâncias dos corpos, na maioria dos lugares estivessem quase desaparecendo, restavam alguns meninos que ainda observavam, apreensivos o seu “antigo” companheiro, olhavam-no quase que conversando com ele, como se ali estivesse algo vivo que o esperava.

O tempo, para alguns que estavam ali, passava muito rápido, o encontro daqueles que conviviam e partilhavam o espaço não devia ser um evento esporádico.  A energia não voltou e os corpos cansados de conversas e afagos dormiram.

A cidade acorda. Foram sonhos diferentes.


Por Gerd Baggenstoss

domingo, 3 de novembro de 2013

O vaqueiro o tempo e a lei.


Não é de hoje que percebemos que no Brasil, diversas leis são criadas com o intuito de responder a demandas pontuais de setores sociedade. A lei 12.870/13 definidora dos parâmetros para a atividade profissional do vaqueiro foi mais um exemplo de atividade legislativa sem qualquer aprofundamento técnico com o tempo e as necessidades daqueles que ainda exercitam a terra.

Fazendo um apanhando rápido sobre a figura do vaqueiro, constata-se que há várias vertentes onde poderíamos explicar este fenômeno do sertão nordestino. Dentre aquelas, a que mais sobressai, afirma que o vaqueiro é o homem da cana que adentrou nas caatingas, levando consigo o gado e voltando com o couro e com a carne.

Imaginemos agora as agruras por quais aqueles homens passavam. O ambiente hostil, o clima abrasador, a caatinga fechada e infinita. Sem cercas, sem estradas, sem comunicação, só as veredas daquele livro mineiro. De tão implacável, aquele homem se defendeu como pode. Do couro cru, se fez o gibão, perneira, chapéu, peitoral, luvas e botas. Do medievalismo a modernidade, nasce o vaqueiro.

A passos largos, a ocupação vai recrudescendo. As veredas vão aumentando e capitalizando, os espaços vão sendo paulatinamente ocupados, com a ajuda do rio dos currais a caatinga vai tornando-se menos infinita. Currais, fazendas, famílias, ainda ali, o vaqueiro era figura central, nesse tecido social marcado pela palavra, couro e terra. O tempo cumpriu de modo inexorável todo o périplo da exploração capitalista. As cercas começaram a surgir no início do século XX, aqui no nosso torrão, há referências que a primeira estaca aramada fora colocada para “enfrentar” o ímpeto do Coronel Delmiro Gouveia. A caatinga tornou-se finita e o vaqueiro, de certa forma, tornou-se parte da propriedade, não mais aquele bandeirante de terras cáusticas, agora, alienado ao ambiente, alienado ao trabalho, alienado a hierarquia.

O sertão depaupera-se. De um lado, pelo contínuo vazio de políticas públicas que privilegiassem o campo, aqui refletido pela queda do latifúndio nos sertões, como também, pela exploração ambiental abusiva da caatinga, reflexo das subdivisões do latifúndio. O vaqueiro sobrevive, mas não figura como elemento indispensável, o arame farpado e os descampados já tomaram conta da paisagem. É visível.

A sobredita lei, tenta sublimar uma profissão que já não existe, ainda dificulta aquela qualificação, pois só será vaqueiro aquele que for contratado por uma propriedade que detenha o crivo de grande ou médio porte, e no sertão, a cerca e as subdivisões quase que escassearam este tipo de propriedade, o que foi salutar. É uma tentativa vã, responder aos anseios do homem do campo através de leis que não tenham nenhuma ou pouquíssima eficácia, esse é o ponto. As respostas para as necessidades materiais daqueles que ainda convivem com a seca e com o trato do gado, e ainda agora com a desertificação causada pelo abusivo desmatamento, não passa por um reconhecimento tardio e ineficaz de uma profissão. Necessário sorver as necessidades desse “novo vaqueiro”, que do seu minifúndio ou pequena propriedade, ainda carece de apoio estatal para a consecução de ações que visem a ampliação da produção e de resistência contra os efeitos da estiagem. E aqui, o Estado ainda é omisso, em certa medida.

O novo vaqueiro, por vezes, junta o gado de moto, está inserido no mercado de consumo, realce-se a importância dos programas de distribuição de renda, e culturalmente oscila entre a massificação cultural e a cultura. Dessa resistência, cabe a memória da frase cunhada por Euclides da Cunha: o sertanejo é, antes de tudo, um forte. Por mais que não existam as paisagens agrestes dantes, por mais que o gado esteja dócil e que as cercas dominem toda a paisagem, o gibão e a perneira soam como um grito de resistência. E a lei não percebeu isso.


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Boas Vindas!


Desde que o Ferreira fez o convite para participar do seu blog, fiquei imaginando o que seria importante colocar neste espaço, para somar-se a outros colegas que aqui escrevem. Por mais que tentasse buscar um caminho exato, não consegui, pois, são vários os temas que orbitam, tanto em Delmiro, como nesse mundo que a cada dia torna-se menor.

Aqui faremos um exercício esporádico da escrita, por isso perguntei ao Ferreira qual seria a linha que ele sugeria, respondeu que o momento determinaria a escolha. Pronto, sem amarras a qualquer tema, sim, agora podemos escrever.


Nasce a dúvida, escrever sobre o quê? Aqui começamos a entender o quanto é difícil traçar em palavras uma constatação e ainda ser convincente quanto a um resultado do futuro texto. Ainda mais quando se começa a escrever para um grupo indeterminado de pessoas, indeterminado a tal ponto que não há o “controle amigo” sobre as sugestivas opiniões que pipocam na sua rede social. Lá, ainda que não se queira conciliar os opostos, e sim criar pontes entre os diversos posicionamentos, percebe-se o quanto é difícil manter todos conversando como um mínimo de civilidade.


Bom, vamos tentar travar o bom debate por aqui. Agradeço o convite e o espaço ao Ferreira. Espero contribuir com o blog, trazendo boas discussões que podem repensar a nossa cidade, e ainda jogar luz, ou não, para o que ocorre no mundo. Não garanto consenso.



Com um mínimo de civilidade**

Gerd Baggenstoss